quarta-feira, 30 de outubro de 2002

O Basquete Brasileiro Sem Medo de Ser Feliz


Hoje o dia nasceu diferente para o basquete brasileiro.

Talvez ranço da pouca familiriadade com a democracia no país, os rumos da modalidade, sua condução pela CBB, as opções dos dirigentes e os caminhos do basquete no país nunca foram ou puderam ser questionados.

Vigora a máxima: "Dirigente manda. Atletas e técnicos obedecem.".

Os fracassos nos Mundiais Masculino e Feminino precipitaram ontem, via ESPN Brasil, uma emissora transparente e verdadeira em sua essência, um debate inédito, onde todos tiveram, finalmente, sua voz e sua vez.

Estiveram presentes, entre outros, o diretor da emissora José Trajano, o jornalista da casa André Kfouri, a comentarista do canal Branca, a pivô Karina, a técnica Laís Elena, Janeth, os técnicos Lula, Zé Boquinha, Paulo Bassul, Miguel Ângelo, Alberto Bial, o árbitro Renatinho, os ex-jogadores Wlamir Marques e Amaury, o repórter da BAND Bruno Laurence, entre outros. Compondo a mesa o jornalista Milton Leite, a ex-jogadora Magic Paula, os técnicos das seleções Barbosa e Hélio Rubens e o presidente da CBB Grego.

Muita gente disposta a falar, ouvir e a ajudar o basquete, mas Trajano iniciou falando das ausências: Oscar, Marcel (que dinamitou a bomba no masculino, mas não compareceu)... Para nós do feminino, uma triste ausência: Hortência inventou até uma participação no programa da Adriane Galisteu pra não ter que encarar esse bate-bola. Mais uma (das já suficientes) demonstração de que o basquete não anda mais, infelizmente, fazendo o coração da Rainha pular.

Ausência curiosa foi a do presidente da FPB Tony Chakamti. Se recusou a participar do programa porque Paula pode se candidatar nas próximas eleições da federação. Uma ausência que já diz muito sobre o quanto nossos dirigentes estão acostumados com a democracia. Será que eles sabem o que é isso?

Minha impressão é de que o espaço seria usado para apertar os técnicos contra a parede. Cobrar de Barbosa e Hélio (principalmente do primeiro) pelas mal-sucedidas participações das seleções neste ano.

Mas não, eles pouco falaram. Barbosa, então, passou em branco e só falou por duas discretas oportunidades.

O evento serviu para que a maioria dos participantes tornasse explícito seu descontentamento com a condução do basquete brasileiro.

E aí, o pepino sobrou pra Grego.


Já na primeira fala, Paula mostrou que sobram-lhe disposição e coragem. Atribuiu o fracasso do feminino à preparação inadequada, citou exemplos contrários de outras federações, como a australiana que não era "idiota" e protegia suas atletas, cobrou profissionalização.

Aí, nosso Presidente começou a engasgar.

E aqui, abro alguns parênteses. Grego tem suas qualidades e defeitos, como qualquer bom cristão. Mas ao menos um defeito, eu acho que ele deveria investir mais esforços para resolvê-lo nessa encarnação: aprender a ouvir. Acredito que ele tenha boas intenções na CBB, mas nem só disso se faz um grande dirigente.

Algum tempo atrás, quando esse site nem existia, entusiasmado com um e-mail que aparece no site da CBB, que promete contato direto com o presidente abri a boca. Enviei meu e-mail polido ao dirigente, crente que minhas idéias eram interessantes, que apontando erros e sugestões estivesse contribuindo para o basquete. Recebi uma resposta que me deixou intrigado. Grego não conseguia concordar comigo em nenhum dos pontos. Para rebater o que eu dizia, ele usava n números, n dados. Pra minhas sugestões, haviam muitos "vamos fazer" e "estamos trabalhando para que".

E ontem, isso se repetiu.

Voltando ao debate, esquentado por Paula; Karina e Branca foram as próximas a intervir. Karina cobrou estratégias de marketing mais eficientes e foi firme quando Grego refutou a Argentina (um país em crise, vice-campeão mundial e com um time feminino ascendente) como exemplo. Branca foi firmíssima, escancarou a ausência de participação de atletas e ex-atletas na CBB e a fraqueza do Nacional Feminino. Grego usou as mesma estratégias que já comentei ("desse jeito que você diz é melhor acabar como Nacional Feminino, então...) e foi com grande prazer que eu ouvi a espontânea decepção de Branca ao microfone: "Pô, Mas só você tá certo!".

Abrindo novos parênteses, um dos grandes sonhos de Grego, por hora, é repatriar as jogadoras que estão na WNBA. Já saíram até contas em jornais de quanto isso custaria. Mas o presidente parece se esquecer que a WNBA é só uma parte (3 meses) do problema, e que a maioria das jogadoras que estão na liga americana jogam na Europa nos demais meses do ano...

A combustão, no entanto, veio quando Trajano chegou ao seu limite de tolerância com Grego e cobrou atitudes. No calor da discussão, fez uma comparação que eu acho maravilhosa. Insinuou que Grego repete o que aconteceu nas eleições presidenciais. Ele seria o "Serra", que todo mundo sabe da competência, mas se cansou da mesmice e dos problemas do governo atual, da falta de perspectivas, do descaso e da passividade em relação à população. A comparação ainda vale porque mesmo que Grego tenha trazido mudanças como FHC, ainda é pouco, muito pouco para fazermos de conta que está tudo bem. É óbvio que ele avançou em relação à paixão trôpega e amadora de Renato Britto Cunha - seu antecessor, mas é preciso ação. Ação e mudança. É isso que o povo quer e mostrou nessas eleições. E assim como o povo, os basqueteiros querem mudança. Querem ousar.

Esse primeiro debate foi assim, uma primária, pequena, eu diria até tola, mas deliciosa ousadia.

E pra quem ousa, tudo é possível.

Até mesmo Lula finalmente ser eleito presidente do Brasil.



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