terça-feira, 23 de setembro de 2003

Prova de maioridade




MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE


De certa forma, Iziane Castro Marques vingou os professores de educação física, atropelados pelo sucateamento do ensino público e pelo mercantilismo das escolas privadas do país. Graças à visão e à lábia de um deles, a maranhense de pernas finas aceitou brincar com a bola laranja, nove anos atrás. "Eu não gostava, mas o Quirino insistiu que eu levava jeito."
De certo modo, ela ressaltou a importância dos campeonatos de base, mesmo (ou sobretudo) os afastados dos pólos do esporte de alto rendimento. Pois foi no circuito escolar de São Luís que se entregou de vez ao basquete.
Ela provou como é necessário uma seleção nacional atuar perante seus torcedores -e principalmente exibir seus (neste caso, raros) ídolos. Em 1996, garota arrebatada, pôde acompanhar "em casa" o mês de treinos e amistosos de preparação para a Olimpíada de Atlanta -e, agora se percebe, roubar um pouco do estilo, e do tutano, da rainha Hortência.
Confirmou o valor dos centros que, contra tudo e todos, investem na lapidação de talentos. Quando chegou ao BCN/Osasco, a nordestina de 15 anos encontrou a orientação de treinadores capacitados, o respaldo de preparadores físicos e psicólogos e a animadora perspectiva de viver para o (e de sobreviver do) esporte.
Deixou claro que o intercâmbio internacional é o principal alimento do atleta de elite -e que o exterior segue a melhor rota para o brasileiro ambicioso. Pois foram as oportunas convocações para a seleção juvenil que ensinaram a ela o caminho do aeroporto -e as passagens por Espanha, França e EUA que lhe apresentaram novas rotinas de treinamento.
E, por fim, demonstrou que a combinação de critério e arrojo costuma recompensar as comissões técnicas. Ao escalar a espigada jovem ao lado da veterana cestinha Janeth, Antonio Carlos Barbosa & Cia. rompeu a letargia e conferiu uma nova dimensão atlética, quase masculina, à equipe que comanda desde 1997. O vaivém no ataque da dupla de alas arco-e-flecha desnorteou os adversários -e o novo papel da meticulosa Helen, saindo do banco para estabilizar a "correria" (ou, às vezes, se beneficiar dela), foi mesmo uma grande sacada.
Por isso tudo, a contribuição de Iziane à campanha vitoriosa no Pré-Olímpico transcende sua condição de nova titular do time.
Os 17,3 pontos por partida que a credenciaram como a quarta pontuadora do torneio mexicano.
Ou a mão precisa, de gente grande -78% nos tiros de dois pontos (fantásticos para uma jogadora de perímetro), 41% nos de três e 92% nos lances livres.
Ou a média de 2,8 assistências, a sétima maior da competição, inesperada para quem carrega a tacha de fominha.
Ou, ainda, o desempenho na decisão pela vaga em Atenas-04, cintilante para uma titular de primeira viagem: 15 pontos (sem nenhuma falha nos arremessos) em apenas 22 minutos de quadra.
Iziane, 1,81 m e 64 kg, mostrou no México que sabe bem mais que seus 21 anos. E que, com método, aplicação e ousadia, o basquete brasileiro sai do buraco.

Atenas 1
Como alertou a coluna anterior, a troca de passes (hi-low) entre Cintia Tuiú e Alessandra, o grande diferencial da seleção na última década, não pegou ninguém desprevenido no México. Contra as cubanas, as pivôs atuaram menos que as reservas Kelly e Leila. A reboteira da equipe na final (e em todo o torneio)? Super-Janeth: 10 (7,8 por jogo).

Atenas 2
A boa atuação de Leila, que voltou às quadras em abril, só faz o basqueteiro lamentar a inabilidade (o descaso?) da CBB para recuperar a auto-estima dessa ala-pivô nos mais de três anos de afastamento.

Atenas 3
Justiça seja feita: o Brasil voltou a brilhar nos três pontos: 43%.

E-mail melk@uol.com.br


Fonte: Folha

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