quarta-feira, 28 de dezembro de 2005



Por Marta Teixeira

Campeã mundial (Austrália-94), vice-campeã olímpica (Atlanta-96), Maria Paula Gonçalves da Silva era nas quadras o que é na vida real: direta e decidida. No mês passado, foi escolhida para integrar o Hall da Fama do Basquete nos Estados Unidos - a cerimônia de premiação será no final de abril de 2006 -, juntando-se a uma antiga amiga e adversária: Hortência Marcari, que está no Hall da fama do basquete (2002) e do esporte (2005).

Além da administração do COTP e da participação na NLB, Paula ainda arranja tempo para tocar o projeto social Passe de Mágica, iniciativa que conta com três núcleos e reúne mais de 300 jovens em Piracicaba e Diadema.Politizada, mas não política - termo que confessa não suportar quando agregado a seu nome -, a Mágica das quadras nunca viu o esporte com olhos inocentes. Depois de ser atleta, descobriu o talento para a administração e, frente ao Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP) promoveu uma verdadeira revolução no equipamento municipal. Tanto que foi convidada para comandá-lo em duas gestões políticas diferentes (PT e PSDB). O retorno à administração do Centro (em 2003), aliás, foi o que restaurou um pouco do respeito à política depois de uma passagem frustrante pela Secretaria Nacional de Alto Rendimento no Ministério do Esporte.

Mesmo longe das quadras há quase seis anos, não resistiu ao chamado da renovação e aceitou participar da criação da Nossa Liga de Basquete (NLB), primeira iniciativa independente dos clubes para gerir o próprio esporte. Com a autoridade de quem conseguiu nas quadras os mais importantes títulos para o país, nesta entrevista à Gazeta Esportiva.Net ela critica o descaso dos dirigentes para desenvolver a modalidade, aponta falhas na preparação brasileira para o Mundial, que será realizado no Brasil em 2006, com suas titulares jogando no exterior, acha improvável que o evento reverta a situação da modalidade em território nacional.

Sobre um possível convite para divulgar a competição, acha que tudo não passa de "conversa de Grego" e aproveita para discordar também da ex-companheira de quadra Hortência sobre a responsabilidade do título mundial de 94. "Eu não joguei tênis, eu não fiz natação, eu não fiz um esporte individual. Tudo que a gente venceu teve sempre uma equipe por trás, teve sempre um trabalho de equipe para você poder desenvolver o seu individual".

GE.Net - Quando você soube da indicação para o Hall da Fama? Recebi em agosto esta notícia, por e-mail. Foi uma comemoração contida, tive que segurar. O anúncio tinha que ser feito por eles, eu não podia dizer nada antes. Num momento desses da minha vida, ser homenageada em um âmbito desses, quero dividir isso com todo mundo.

GE.Net - Você ficou surpresa? Como encara esta homenagem? No estágio em que estou não fico mais esperando homenagens. Eu faço outra coisa, não vivo do basquete. Acho que o que vem é lucro, mas é super bacana. Depois de quase seis anos que deixei as quadras, ser reconhecida por um país que, assim como o futebol é para o Brasil o basquete é para os EUA. O Brasil é meio colocado de escanteio. Isso é um título do basquete feminino, não é meu. Eu não joguei tênis, eu não fiz natação, eu não fiz um esporte individual. Tudo que a gente venceu teve sempre uma equipe por trás, teve sempre um trabalho de equipe para você poder desenvolver o seu individual. É muito merecido o basquete feminino ter duas jogadoras (no Hall). A Hortência já está nos dois. Sinto que é uma homenagem para todo mundo, desde técnico, preparador físico, todas as pessoas que trabalharam com a gente nestes 22 anos de seleção, meu e da Hortência, da nossa geração. (todos) Têm que se sentir super parte desta homenagem.

GE.Net - Então, você não concorda com Hortência quando ela diz que o título mundial foi conquistado basicamente por você e ela? Não. Acho que a gente conseguiu montar uma bela equipe. Na época, o Miguel não era o melhor técnico do Brasil, mas ele tinha um super preparador físico, ótimo supervisor, um assistente técnico muito bom que dava os treinos. E ele foi um cara que lidou com a gente de uma forma diferente dos outros até então e conseguiu ter sucesso. Mas era uma equipe, tava todo mundo no auge de maturidade, de consciência de saber o que quer, de diálogo. A gente não pode dizer que duas jogadoras fizeram o verão. No retrospecto de outros mundiais, enquanto (o time) viveu em cima mim e dela nunca ganhou nada. Então, eu acho que a gente teve sorte de ter uma geração que veio junto com a gente: Janeth, Helen, Alessandra, Cíntia e foi muito importante para essa conquista.

GE.Net - O reconhecimento dado a vocês pode ajudar o basquete feminino nacional? Não vai mudar nada, não faz diferença nenhuma porque não aproveitaram campeonato Pan-americano, não aproveitaram Mundial, não aproveitaram uma Olimpíada. Eles perderam todas essas chances. Para ter uma idéia, quando a gente foi campeã do mundo em vez de deixarem a gente na Argentina para chegar aqui de dia, nós chegamos de madrugada. O descaso com o feminino sempre aconteceu, não é de hoje. Não acredito que um título como esse vá mudar as coisas. Se o campeonato Mundial não mudou...

GE.Net - Qual a chance da realização do Mundial em casa ajudar nisso? Nenhuma, porque é muito pontual e, apesar de ter envolvimento do Brasil, tem que ser feito da forma como os gringos vão falar que tem de ser feito.

GE.Net - E a preparação para o torneio, te agrada? Esse resgate das jogadoras que estão fora, já devia ter acontecido há dois anos. Ter as meninas jogando aqui, divulgando o trabalho... É uma equipe muito forte, tem meninas muito boas. Mas para eles está tudo bom: vamos deixar as meninas jogando fora do país. Tudo bem que internacionalmente elas estão ali, mais próximas das grades potências do mundo, mas ninguém treina como as brasileiras. Lá, treinam uma hora e meia, duas horas por dia, se treinar, no máximo. A Janeth, a melhor jogadora do Brasil, joga três meses no ano, seis meses. Janeth jogou o Brasileiro um mês, foi para a WNBA jogou três meses, agora está aí sem jogar (na segunda quinzena de dezembro, Janeth acertou contrato para defender o Rosa Casares Valencia, na Espanha). Depois de Atenas o que teve? O que essas meninas participaram? A Copa América, que foi com time B? Não tem preparação mais... a cada dois meses devíamos estar disputando um torneio, estar reunindo, treinando... Por isso que falo que ganha pela qualidade técnica das jogadoras, pelo envolvimento, pela dedicação que cada jogadora tem porque se depender de planejamento, não existe. Esse Brasileiro feminino... depois que a liga se mexeu, eles resolveram fazer alguma coisa. Começou dia 4 de novembro e diz que dia 21 de dezembro já começam os playoffs. Um mês e pouco de Campeonato Brasileiro? Eles não pensam na jogadora? Joga dois meses e fica desempregada nove? É um absurdo. (Com o racha surgido pela criação da Nossa Liga, a CBB proibiu a convocação de atletas da liga independente para a seleção. Por causa disso, a Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados pediu para ouvir a diretoria da NLB e da CBB. A reunião ocorreu dia 30 de novembro, em Brasília, sem a presença de Grego. Como não participou do encontro, Paula preferiu não comentar o assunto)

GE.Net - Mas você acha que a preparação pode dar certo? É uma incógnita e isso não é novo. A gente sempre viveu isso. Quando a gente foi campeã do mundo, a gente ganhou o campeonato mundial fazendo amistosos com equipes juvenis aqui no Brasil. A gente jogava contra os meninos porque eles eram mais fortes, eram mais rápidos, mais altos, exigia mais da gente. É duro dizer que vai ser um fracasso. No Mundial não vai, porque a gente tem jogadoras boas. Mas em vez de ficar se contentando em: será que vamos ser terceiro, será que a gente pode chegar ao pódio? A gente podia estar brigando por título com a equipe que tem, se fizesse uma coisa mais organizadinha.

GE.Net - O Grego disse que quer usar você, Hortência e todas as campeãs mundiais para divulgar o evento. Você estaria disposta a participar? O Grego sempre fala que as portas da Confederação estão abertas, mas nunca convida a gente para estar lá. Isso é conversa de Grego (rindo).

GE.Net - Mas se ele convidar, você participa? Não sei. Depende. Depende do que for.

GE.Net - E como você vê os preparativos para o Mundial. Iam ser duas, talvez três cidades em estados diferentes e agora será só em São Paulo? Teve quatro anos para você trabalhar em cima disso e em outubro, em setembro do ano anterior você vai ver se vai ser, onde vai ser? É a falta de planejamento que eu estou falando. No ano seguinte, ou no ano mesmo que você foi lá e ganhou o direito de ser sede, já tem que ir atrás de Prefeitura, das cidades que poderiam ser (sede). Quantas cidades não poderiam sediar uma fase do Mundial? Nordeste, Norte têm carência enorme de receber competições assim. Você acha que governador de estado não conseguiria uma verba para sediar? É falta de planejamento e descaso.

GE.Net - Mas apesar de todos os problemas que você vê na preparação você acha que as chances são reais? Estou sempre otimista. Além da equipe ser boa, a gente vai estar jogando no Brasil. Uma equipe super madura, com mescla de juventude. Gostaria que fosse até um pouco mais jovem, que começasse a aparecer mais gente. Cíntia, Alessandra, Helen, Janeth, a base, elas estão há dez anos, no quarto, terceiro mundial. São jogadoras acostumadas a jogar Mundial, Olimpíada e Pan e vão estar jogando em casa. Isso motiva também. Isso é, acredito muito. É uma geração que merece estar entre os primeiros.

GE.Net - Mas você acha que o Brasil pode ser campeão de novo? Não pode falar nunca que não. (o mundo) Sempre achou que jamais alguém ia bater os Estados Unidos e a gente conseguiu. No Mundial, tudo pode acontecer. Vai depender. Não dá para fazer previsão de como a equipe vai chegar. Você tem que, além de trabalho, ter sorte. Fazer uma preparação que consiga chegar com sua equipe tecnicamente, fisicamente no ápice, subindo na competição e, às vezes, isso não acontece. Às vezes, na hora que você acha que o time vai estar subindo ele tá caindo.

GE.Net - Você voltou para o Centro Olímpico depois de uma temporada frustrante no Governo... Quando você é convidada para fazer um trabalho, você acredita que vai trabalhar. Você não acredita que vai lá ser rainha da Inglaterra e eu sentia, nos seis meses que fiquei lá, que eu ia ser só uma figura. Acho que não tem condições hoje de fazer nada sem planejamento. Senti que ali não se tinha essa proposta. Você não via as coisas acontecerem. Você tinha promessas, promessas e sabia que estavam prometendo algo que não iam poder cumprir. Meu choque foi porque achava que com a pouca verba não tinha que estar se preocupando com alto rendimento, já que a lei Piva estava fazendo isso. Achava que era momento de se pensar mais no social, no educacional, na formação, né.

GE.Net - Foi decepcionante... Então, foi uma decepção porque estava aqui, adorava trabalhar aqui. Recebi o convite, achei que pudesse fazer alguma coisa pelo esporte em termos de Brasil, mas você chega lá e vê que não é nada disso. Na verdade foi decepcionante. Você vê que esporte, infelizmente, está nas mãos de pessoas que não entendem, que estão ali para fazer política. É complicado, porque você fica querendo que o país seja uma potência esportiva e assim não vai ser nunca. Fica só nessa conversa de dizer, falar as coisas da garganta para fora, não do coração para fora, da forma como tem de ser. Eu achei que ali não era meu lugar, não tinha meu perfil. Eu gosto de trabalhar onde eu sou feliz. Eu não fui brincar de morar em Brasília, eu deixei minha vida aqui para ir para Brasília. Não vi futuro nisso e achei melhor voltar.

GE.Net - Sua passagem no CO está sendo no governo de dois partidos diferentes. Você acha que o esporte está conseguindo ficar acima da política? Esporte é uma das poucas coisas que consegue estar acima disso. Porque, o que tem de ficar claro, o que deveria ser claro, é que as pessoas estão nas suas posições não por questões partidárias, mas sim por objetivos. Às vezes, a gente perde muito por colocar lá uma pessoa que não entende do negócio porque você prometeu e porque é do partido. Acho que isso ficou acima dessa questão política. Mas as pessoas confundem muito. Acham que eu sou política. Isso me irrita, porque na verdade eu.. eu tenho asco disso. A gente não pode generalizar nada nessa vida, não pode jogar todo mundo em uma vala comum, tem pessoas e pessoas. Mas eu não quero este vínculo. A gente tá mostrando aqui que não precisa desse vínculo para você tentar fazer a coisa bem feita.

GE.Net - Por que isso é possível na cidade e não no Brasil? Depende com quem você trabalha. A gente tem toda autonomia aqui. A diferença é essa. Eu sei se vou ter ou não orçamento. Eu sei se vou ter ou não planejamento. Na sua casa, você precisa saber o orçamento que tem para administrar o seu salário. Era o que não acontecia lá.

GE.Net - Com tudo isso, dá para falar em uma ligação pessoal sua com o Centro de Treinamento? É bastante negativo isso porque, de um lado é legal ter a minha imagem, o que eu represento dirigindo (ligado), mas isso não pode ser uma tônica do trabalho. Amanhã, se eu sair, o trabalho tem que continuar. A GV Júnior fez um trabalho de planejamento. No diagnóstico, um dos pontos negativos era esse vínculo com a minha imagem. Vai chegar uma hora em que o CO vai ter que caminhar sem eu estar aqui, todo mundo vai ter que estar preparado. Eu gosto de trabalhar aqui, isso é mais de 50% do envolvimento e do trabalho, mas o Centro não tem que depender de mim. É um cargo de confiança e amanhã posso não ser a pessoa de confiança. Principalmente com o Serra em vias de ser candidato a presidente. Eu, no momento, não penso em sair. Quero acabar os quatro anos. Mas a gente nunca sabe.

GE.Net - Mas para quem vier depois já fica mais fácil... Mais complicado, porque um pouquinho que a gente fez já apareceu. Quem chegar vai ter que mostrar mais trabalho. O CO tem um papel super importante para a cidade e pouca gente conhece. Gostaria que as pessoas pudessem conhecer mais, saber mais o que isso representa para a cidade.

Gazeta Esportiva

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