sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

Problemas de saúde também assombram atletas

Basquete: Estrutura não evita surpresas


Desde 2000, a Confederação Brasileira de Basquete (CBB) passou a submeter todos os atletas convocados a uma avaliação médico-física no início de cada temporada. A medida permitiu criar um banco de dados com a evolução daqueles que eram freqüentes nos grupos. Mas nesta temporada, uma gravidez inesperada levantou dúvidas sobre a eficiência das avaliações.

Convocada pela seleção, a ala Sílvia disputou a Copa América, em setembro, e em novembro acabou dando a luz a seu primeiro filho. Na época do torneio ninguém sabia de sua gravidez, nem a atleta nem o departamento médico da Confederação.

Apesar da surpresa provocada pelos fatos, o médico César Pereira Soares de Oliveira encara o ocorrido com naturalidade e confirma que exames para detectar gravidez não fazem parte da rotina de avaliação. "Não nos cabe invadir a privacidade da vida sexual das atletas. O que nós fazemos é dar orientação às categorias de base".

Segundo ele, apesar da avaliação da CBB ser uma das mais completas - exames clínicos e laboratoriais, eletrocardiograma, ergométrico, ecocardiograma com doppler, ultrassom abdominal e pélvico, pulmonar, hemogramas, bioquímicos, hormonal e perfil lipídico - e realizada com o respaldo do Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Faculdade de Educação Física da Universidade de São Paulo (USP), a gravidez exigiria a aplicação de exame de sangue do tipo Beta HCG, que não está no protocolo.

Membro da comissão médica da CBB desde 1979, Oliveira concorda que o trabalho realizado pelos clubes é o ponto mais delicado quando o assunto é medicina esportiva. "Para os atletas que estão em clube com estrutura está tudo bem, mas a grande maioria dos clubes não tem departamento médico. Dependem da camaradagem para oferecer o serviço a seus atletas".

A situação, segundo ele, levou a CBB a iniciar um trabalho de conscientização dos dirigentes. "Estamos nos programando para em 2006 fazermos visitas às Federações, falando da grande importância disso". Sede do próximo Mundial, o Brasil também será o primeiro país a promover um Congresso de Medicina Esportiva precedendo o evento. "Hoje, as pessoas estão mais esclarecidas sobre o trabalho na parte nutricional, mas a parte física fica ainda muito a desejar".

Apesar da avaliação com os times adultos ser uma das mais completas no meio esportivo, as categorias de base recebem uma abordagem diferente. Para elas, os testes concentram-se em avaliações cardíacas e exames de sangue e laboratoriais.


Lei proíbe exame de gravidez na contratação das atletas

Além de causar espanto, a história da ala do São Caetano e da seleção brasileira Sílvia, que no último mês de outubro deu à luz apenas três dias depois de descobrir que estava grávida de sete meses, gerou uma discussão sobre os riscos que o bebê e a mãe correram, uma vez que a atleta, por não saber de sua condição, não tomou nenhum tipo de cuidado durante a gestação e seguiu jogando normalmente. A responsabilidade do São Caetano e da Confederação Brasileira de Basquete (CBB) também foram questionadas, pois os exames médicos realizados não apontaram nada de anormal com a jogadora que, em uma possibilidade extrema, poderia até abortar em quadra.

De acordo com o advogado Rodrigo César Lourenço, especialista nas áreas cível e trabalhista, nada poderia ser feito pelo clube ou pela Confederação com este fim. Apoiado pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), ele afirma que, como tanto o São Caetano como a CBB são considerados empresas, as duas entidades estão proibidas de fazer exame de gravidez no momento em que uma atleta é admitida. "É obrigatório que seja feito o exame médico admissional (artigo 168) , mas é proibido que se faça um teste com o objetivo de se descobrir se a mulher está grávida", afirma Lourenço, que se baseia no artigo 373, inciso 4 da CLT, para justificar sua opinião.

"É vedado exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego", continua o advogado, citando a lei. No entanto, segundo ele, existe a possibilidade de a gravidez ser descoberta através de outros exames. "Neste caso, fica proibida a não-contratação da mulher, sob o risco de esta atitude ser caracterizada como discriminação", esclarece. Ainda segundo o artigo 168, estes exames médicos devem ser efetuados de acordo com as exigências da categoria profissional.

Apesar disso, o São Caetano e a CBB, não estão eximidos de culpa no caso de Sílvia. "Se ela tivesse jogando grávida e abortasse, poderia iniciar uma ação contra o clube, pois ele é o responsável direto pelo seu empregado", acredita Lourenço, que aponta uma indenização, proporcional à culpa da empresa e do atleta, que seriam definidos pelo Poder Judiciário, como forma de punição. Por sua vez, a ala não cairia na mira da lei. "Ela não poderia sofrer nenhum tipo de punição, mesma porque desconhecia a gravidez", emenda.

O advogado ainda acredita que dificilmente poderia se abrir uma exceção para que se faça testes de gravidez em atletas, que estão expostas a um risco maior que mulheres que exercem outras profissões. "Isso mudaria através de todo um processo legislativo e deveria se estender a todas as trabalhadoras", afirma.

Avisando ou não o patrão que espera um filho, a funcionária tem o direito de receber a Licença Maternidade, desde que apresente um exame médico que comprove a gravidez. A partir daí, ela ganha estabilidade, só podendo ser demitida em caso de justa causa, salário integral e folga de 120 dias após o parto. "Ela poderia ser demitida antes deste período desde que o clube pagasse todos os benefícios oriundos do direito da mulher gestante", comenta Lourenço.

O especialista ainda diz que cabe ao Ministério Público do Trabalho e pela respectiva Delegacia Regional do Trabalho, por intermédio de seus fiscais, fiscalizar se estas normas estão sendo cumpridas. Ele, no entanto, é cético quanto a isso. "A teoria é uma, mas a prática, infelizmente, é outra", finaliza.



Altos e baixos

Há histórias com finais felizes e outras nem tanto quando o assunto é medicina esportiva no basquete. A ala Aide Angélica Oliveira é um exemplo de história que ainda não teve exatamente o seu final. Machucada e reclamando de falta de amparo de sua ex-equipe, o Pão de Açúcar/Unimar/Marília, ela ameaça ir à Justiça conseguir seus direitos.

Na temporada passada, ela acertou sua transferência Marília no início do ano, apesar de estar se recuperando de um esporão no pé esquerdo. "Eles me aceitaram nas condições em que estava e prometeram a reabilitação", diz a jogadora.

Contudo, a realidade foi outra. "Tive problemas de recuperação. Treinava e jogava em quadra de cimento e acabei tendo uma tendinite, que eles não conseguiram identificar. Fizeram uma ressonância e disseram que havia uma fratura por estresse".

Como era capitã da equipe, Aide afirma que sofria pressão para entrar em quadra, apesar de seus problemas físicos. "Chegou um ponto em que não conseguia mais andar no começo do segundo turno".

O tratamento, que era direcionado para a suposta fratura, não surtia efeito e a atleta trocou de clínica. "Enquanto isso, a tendinite ia aumentando", reclama. A lesão só foi corretamente diagnosticada após uma visita a São Paulo, durante sua folga. Quando retornou a Marília, na primeira semana de julho, Aide, que tinha contrato até o dia 31, soube que estava dispensada. "Ainda fiquei na cidade, mas tive que bancar meu tratamento".

No final, ela reclama que foi expulsa do apartamento da equipe e não recebeu amparo nenhum. "Minha briga com ela (Valéria) é a maneira como me mandou embora. Ela me dispensou porque eu estava machucada. Por lei, tinha que me manter na equipe".

As perspectivas imediatas da jogadora são complicadas. Morando de aluguel em Caieiras com um irmão, precisou vender o carro para manter o tratamento em São Caetano. "São necessários seis meses de recuperação para voltar ao normal e mais um ano para voltar a jogar", afirma a jogadora, que já prestou concurso público em busca de uma alternativa para o futuro.

De acordo com a supervisora do Marília, Cristina Ferreira de Brito, o clube cumpriu suas responsabilidades com a atleta. "Pagamos todos os salários até julho, que nem seria nossa obrigação".

De acordo com ela, também foi feito um acerto para reembolsar as despesas médicas da atleta no período entre agosto deste ano e janeiro de 2006. "Fizemos um cálculo e chegamos ao valor de R$ 2 mil, que pretendíamos pagar em quatro parcelas (novembro, dezembro, janeiro e fevereiro)".

Contudo, um corte no repasse das verbas da Prefeitura fez com que os pagamentos fossem suspensos. "Mas dou minha palavra que vamos pagar tudo", assegura a supervisora, que não tem previsão para o início da quitação.

Sobre a ameaça de processo por tratamento incorreto, o clube estpa tranqüilo. "Conversamos com o fisioterapeuta que, se ela nos acionasse, teríamos que acioná-lo. Ele garantiu que não fez nada que o médico não tivesse recomendado", afirma a dirigente.

Outras atletas tiveram mais sorte e contaram com o apoio de clubes para se recuperar. Um exemplo é a ala/pivô Leila Sobral, que defendeu a seleção brasileira. Nos Jogos Pan-americanos de Winnipeg-99, ela machucou o joelho e esteve a ponto de se aposentar. Chegou a processar o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) por falta de amparo, mas contou com a assistência, primeiro da equipe Knorr e depois do Santo André para se recuperar. Na temporada passada voltou à ativa e hoje joga no Celta Vigo, da Espanha.


Fonte: Gazeta Esportiva

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