terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

Gala gay

MELCHIADES FILHO
COLUNISTA DA FOLHA

Sheryl Swoopes é possivelmente o maior ídolo que o basquete feminino já produziu. Três medalhas olímpicas de ouro. Quatro títulos da WNBA. Três vezes eleita a melhor jogadora da liga norte-americana. Campeã universitária -com o recorde histórico de pontos no jogo da decisão (47). Única jogadora a merecer uma linha de tênis da Nike.
Em novembro, no auge da carreira, a ala de 1,82 m e 34 anos reforçou o currículo. Tornou-se a primeira atleta negra a sair do armário, a única homossexual assumida em atividade nos campeonatos profissionais dos EUA.
O "Tornado do Texas" falou à coluna em Houston, nas cerimônias que precederam o All-Star Game, o jogo das estrelas da NBA, onde são todos heterossexuais, claro, evidentemente, óbvio...
Qual foi o impacto da decisão?
"Estou revigorada por não ter mais que fingir. Fiquei ansiosa quando resolvi vir a público. Passei dois dias sem comer, sem dormir. Mas agora me sinto aliviada, livre como um passarinho."
Foram quase oito anos de segredo desde que você se convenceu de que era gay, não?
"É como se tivesse prendido a respiração por todo esse período. Não podia, por exemplo, ir a festas acompanhada de minha parceira. Levava um de meus três irmãos ou um amigo homem."
Você dividiu essa angústia com suas companheiras de equipe?
"Não conversava sobre isso. Elas possivelmente desconfiavam. Mas, como não faziam perguntas, eu não as respondia."
Para complicar, você namorava a assistente técnica do time...
"Foi difícil, pois tivemos de esconder nosso relacionamento de todo mundo. Mas a gente não escolhe por quem se apaixona."
A questão do homossexualismo parece ser um tabu ainda maior dentro da comunidade negra. É verdadeira essa impressão?
"Creio que sim. Talvez por conta do histórico de opressões, do trauma da escravidão, muitos de nós buscamos refúgio na Bíblia."
Você é católica, não?
"Tive de me afastar da minha igreja, pois não me sentia mais confortável. Muitos não aceitaram a notícia. Minha mãe provavelmente nunca aceitará. Ela não acha correto. Mas rezo toda noite por mim e pelo meu casamento. E acordo feliz com o que sou."
Você foi casada por anos com um homem e teve um filho com ele. Algumas vozes na comunidade gay questionam se você não seria bissexual. Outras falam que seu gesto foi providencial, que você procurou os holofotes para sair da enrascada financeira em que havia se metido, US$ 700 mil em dívidas. O que você diria a elas?
"Que eu me casei com o namorado de escola. Que nunca senti atração por homens e que só fui perceber isso depois de 1999, quando me divorciei. Não quero, nem preciso, convencer ninguém da sinceridade de minhas declarações e de meus sentimentos."
Mas sua atitude foi corajosa. Não pretende servir de exemplo?
"Muita gente se sente só, incapaz de se relacionar. Pode ser que algumas meninas se inspirem em mim. Seria bacana. Mas não agi para virar heroína. Eu só pensei em mim, na minha felicidade."

Arco-íris 1

Preconceito? O contrato de Swoopes na WNBA (US$ 90 mil por ano) equivale a um quarto do salário mínimo estipulado pela NBA.

Arco-íris 2

Duas ex-jogadoras da WNBA já tinham assumido a homossexualidade. Mas Sue Wicks (New York-2002) e Michelle Gorp (Minnesota-04) eram reservas e desconhecidas do público e dos patrocinadores.

Arco-íris 3

Cathy Boswell, 43, ganhou o direito de jogar como atleta comunitária a 2ª divisão da liga espanhola ao se casar com uma ex-colega de time. A pivô americana teve boas passagens pelo interior de SP nos anos 90. Ninguém por aqui se sentiu encorajada a sair do armário, porém.


Fonte: Folha de São Paulo

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