domingo, 22 de abril de 2007

Barbosa, 20 anos de história nas quadras

Gabriel Pelosi


Com duas longas (uma de 9 anos e agora de 11 anos) passagens pela Seleção Brasileira feminina de basquete, o bauruense Antônio Carlos Barbosa é o técnico mais longevo no cargo. Somando 20 anos como treinador, Barbosa foi o responsável pela primeira convocação de duas das maiores atletas brasileiras e mundiais - Paula e Hortência.

Em julho ele disputará seu último Pan-Americano como técnico da seleção e ainda promete que se tiver todas as jogadoras à disposição fecha com chave de ouro sua passagem pela seleção, ou melhor, medalha de ouro. Em entrevista exclusiva ao Jornal da Cidade, Barbosa fala sobre a carreira como treinador, a aventura no meio político e a passagem como secretário de Esportes de Bauru.


Jornal da Cidade – Quando e onde foi a sua primeira participação em um Pan-Americano?

Antônio Carlos Barbosa – Minha primeira participação em um Pan-Americano foi como assistente técnico da Seleção Brasileira de basquete em 1971, na Colômbia. Naquele ano, a seleção tinha uma outra bauruense, a Jaci Guedes, e fomos campeões pan-americanos. Quando chegamos no Brasil foi uma festa, desfilamos em caminhão de Corpo de Bombeiros e tudo mais.


JC – Nessa época você já sonhava em ser técnico da seleção?

Barbosa – Já. Eu já sabia que eu estava no caminho.


JC – Você é um dos técnicos de seleção há mais tempo no cargo. Está no comando da seleção feminina de basquete há quanto tempo?

Barbosa – Eu tive essa primeira passagem como assistente técnico na seleção, mas eu nem calculo este tempo. Entrei em 71 e fui até 73 como assistente, quando tive que abandonar a seleção porque eu trabalhava no Sesi, em Bauru, e minha chefia não me liberava. Foi no Sesi que eu formei várias jogadoras de basquete que atuaram na seleção. Em 76 eu voltei para a seleção, desta vez como técnico. Eu fui chamado para fazer uma renovação na Seleção Brasileira, já que no ano anterior a equipe vinha de um mal resultado no Mundial da Colômbia, terminando em 11º lugar. Eu mantive algumas jogadoras e trouxe meninas como a Paula, com 14 anos, a Hortência, com 17...


JC – Então foi você quem convocou Paula e Hortência pela primeira vez para a Seleção Brasileira?

Barbosa – Foi. Elas começaram comigo em 1976. Então, quando eu passei a treinar a seleção, eu comecei do zero, com uma geração nova. Na minha primeira passagem na seleção como treinador fiquei nove anos. Não tive muitos resultados expressivos. Saí em 84 depois do pré-olímpico de Cuba, por um desgaste normal. Mas a base que eu formei ficou e foram jogando por muito tempo na seleção. Em 1990 eu resolvi parar de ser técnico. Eu era secretário da prefeitura, da Secelt, que envolvia esporte, cultura e turismo em uma só secretaria. Eu me empolguei com esse trabalho. Recebi convites de diversas equipes, mas não aceitei. Eu tinha um emprego no Estado, no qual eu me aposentei, que era garantia de um futuro para mim. Então, se eu saísse de Bauru eu perdia aquele cargo. Então não compensava muito. Em 1993 eu saí da prefeitura, trocou a gestão, eu tinha prestado um concurso da prefeitura para ser técnico de basquete e passei. O prefeito que entrou na nova gestão cancelou minha nomeação por eu não ter me afinado a ele politicamente. Uma represália. Foi para o meu bem, pois em agosto de 93 eu fui convidado para treinar a equipe de Piracicaba, que era uma das melhores equipes do Brasil. Dois anos depois fui chamado para ser técnico da seleção Brasileira, onde estou até hoje. Eu fiz um levantamento onde descobri que sou o técnico de Seleção há mais tempo no cargo entre masculino e feminino e com maior número de partidas internacionais, com 320 vitórias e 110 derrotas, 430 no total. Sou o recordista em participações em Sul-Americanos, oito, e Pan-Americanos. E tenho todas as minhas partidas relacionadas em meu computador, pesquisei na CBB e em recortes de jornais. Tenho 20 anos como técnico de seleção.


JC – Esse tempo todo no comando da seleção não causa um desgaste com jogadoras e até mesmo com a direção da CBB?

Barbosa – Olha, eu acho que a minha passagem como técnico foi muito boa nesse aspecto. Afinal, são 20 anos de Seleção e poucas vezes você ouviu falar em alguma rusga. Mas desgaste é normal, envolve muitos interesses em torno da seleção. Você pode ter desgaste com uma jogadora que você não convoca, com o empresário dela, com a jogadora que você convoca mas que fica no banco, então, são vários fatores para surgir desgaste. Mesmo assim eu acho que eu meu desgaste foi mínimo. Eu penso que meu maior desgaste tenha sido com uma parte da crônica, já que 80% desse pessoal viveu a minha fase na seleção. Então, toda frustração em termos de resultado, a culpa é do Barbosa. Além disso, no Brasil tem uma cultura de envelhecer a pessoa muito cedo. Muito cedo o cara vira gagá, superado. Tem pessoas que não entendem que, principalmente o técnico, fica bom conforme ele fica experiente, desde que eles esteja cercado de profissionais atualizados. No Mundial, no final do ano passado eu estava no meu limite e acho que fui muito agressivo em todas entrevistas coletivas que eu fazia depois do jogo. Eu sou uma pessoa muito simples, nunca fui estrela. A gente que é do interior tem uma formação diferente. Mas chega em um momento que você começa a se sentir injustiçado. Nós temos um basquete feminino que está longe de ser o melhor do mundo. Mas nós estamos entre os melhores do mundo, terminamos em quarto no Mundial. Será que a pessoa não consegue fazer uma análise: realmente nós temos jogadoras de tão alto nível para estar onde está, ou é o trabalho de uma comissão técnica? É esse tipo de falta de reconhecimento que me enche o saco.


JC – Como você avalia os adversários do Brasil no Pan do Rio de Janeiro?

Barbosa – Olha, esse Pan é uma competição muito esvaziada. Não adianta eu pintar uma coisa que não é. Você tem os Estados Unidos que vai vir com equipe universitária, mesmo assim não é fraco. Cuba vem com o time completo. O Canadá também deve vir sem jogadoras de NBA. A Argentina é um time que eu venho alertando que está crescendo, mas ainda acho que é uma seleção um pouco aquém do Brasil. O que vai depender, na verdade, são as jogadoras que eu puder ter na mão. Eu já tive uma boa notícia: Janeth vai jogar. Ótimo! Jogadora importantíssima. Agora, fico na expectativa. Vou fazer um tentativa com a Helen. A Alessandra tem uma situação mais complicada por conta do problema dela com a Confederação, e ficou uma situação incômoda. E ela mesma disse claramente que não quer mais jogar pela seleção. Então a Adrianinha, a Iziane, a Érica, elas estão na NBA. Eu vou tentar ver se essas jogadoras conseguem uma licença para disputar o Pan. Se nó tivermos todas elas eu posso dizer para você que nós temos grandes chances de sermos campeões pan-americanos. Sem essas jogadoras, teremos que jogar muito bem e saímos da situação de favoritos. As duas principais adversárias são Cuba e Estados Unidos.


JC – No final do ano passado, após o Mundial de Basquete, você foi muito criticado pela imprensa e até por jogadoras da seleção. Como você encara essas críticas depois de tantos anos como treinador?

Barbosa – A crítica, quando você fala imprensa são aqueles caras que são convidados para serem comentaristas. Você não viu nenhum repórter de imprensa escrita fazer uma crítica à minha performance como técnico de uma equipe brasileira. De onde vinha a crítica? Desses técnicos que não conseguiram chegar à Seleção Brasileira, então, eles ficam torcendo para aquele que está lá há tanto tempo tropeçar. Eles tem um interesse. Outros que lá estiveram e fizeram menos do que eu. Então eu acho que foi uma crítica deselegante, antiética e mal-intencionada. Quando chega um jovem com uma gama de informações, que ele acompanha o basquete no mundo e transporta aquele conhecimento tático que ele adquiriu à nossa realidade, eu até discuto. Nós temos que intender nossos limites. Eu fiquei tranqüilo por que foi uma crítica que veio mais direcionada de pessoas mal resolvidas. Então não se pode levar muito à sério. Quanto às jogadoras, foram apenas a Janeth e a Alessandra. Foi uma matéria do jornal O Estado de São Paulo que trazia esse assunto, pois elas tem um desentendimento com a CBB. O time tem 12 jogadoras, as outras dez não falaram nada. E se a Janeth estivesse realmente chateada ela não aceitaria a convocação agora, como aceitou. Eu também encarei com muita tranqüilidade.


JC - A CBB já anunciou sua saída do comando da seleção feminina. Agora segue como coordenador técnico. Você acredita que houve uma pressão para sua saída do cargo?

Barbosa – Não, não houve. Nós já estávamos amadurecendo essa mudança há algum tempo. Talvez o presidente estava esperando um melhor momento não para minha saída, mas para a entrada de um outro.


JC – Como você avalia sua passagem pelo seleção?

Barbosa – Eu acho extremamente positiva. O único técnico que fez uma campanha superior à minha e que será imbatível foi Miguel Ângelo, que teve um título mundial e um vice-olímpico. Isso não é fácil. Deus queira que o Paulinho (Paulo Bassul, técnico que substituirá Barbosa no comando da seleção) ou um outro técnico que venha a comandar a seleção consiga isso, mas eu acho muito difícil. Mas estou muito satisfeito pela minha atuação como treinador de seleção.


JC – Qual foi a melhor seleção que você treinou?

Barbosa – Eu acho que a primeira que ganhou a Copa América foi muito boa. Era formada por Helen, Paula, Leila, Marta e Alessandra. E a seleção da Olimpíada que jogava Alessandra, Cyntia, Claudinha, Helen e Janeth. Essas duas são as melhores seleções que treinei.


JC – Qual jogadora que você gostaria de ter na seleção e que não teve?

Barbosa – Sem dúvida nenhuma a Hortência em minha segunda passagem pela seleção. A jogadora mais completa.


JC – Quais os planos para o futuro? Você recebeu propostas de alguma equipe?

Barbosa – Vou assumir o cargo de coordenador técnico da CBB. Também estou envolvido em um projeto que está sendo implantado em Florianópolis com uma equipe masculina. E não descarto clube desde que tenha condições e seja um lugar estruturado.


JC – Você acredita que este seja o seu último Pan-Americano como técnico ou você cogita um dia voltar a comandar a Seleção Brasileira?

Barbosa – Para mim, a opção de comandar a seleção de basquete novamente está totalmente descartada. Eu quero colaborar sim com a seleção em uma outra função, como estou fazendo.


JC – O basquete já foi o segundo esporte no Brasil. Hoje nenhuma tevê aberta transmite um campeonato de basquete e o esporte perdeu espaço na mídia. Por que você acha que isso aconteceu e como você avalia a atual situação do basquete brasileiro?

Barbosa – Eu acho que o basquete brasileiro sofreu com a falta de títulos. Isso deu uma repercussão negativa, embora os campeonatos internos continuavam com altíssimo nível. O voleibol se aproveitou dos títulos, conseguiu formar ídolos. Hoje em um jogo de voleibol masculino existe uma ‘tietagem’ absurda. Já o basquete feminino sofre desde a parada de Paula e Hortência. A falta de grandes investimentos tornou o basquete brasileiro bastante doméstico e favoreceu a saída das jogadoras daqui, o que fez baixar o nível técnico das competições internas. Mas por outro lado favoreceu o surgimento de jogadoras novas.


JC – O que você acha que deveria ser mudado para que o basquete brasileiro volte a se fortalecer?

Barbosa – No feminino eu acho que falta investimento. No masculino não. Tem investimento e é um campeonato bastante atraente.


JC - Várias jogadoras brasileiras atuam fora do Brasil. Até que ponto isso é bom, pois existem equipes que não liberam as atletas para jogar pela seleção?

Barbosa – É bom na medida que todos que estão lá fora tenham efetivamente a oportunidade de jogar, pois assim eles ganham qualidade técnica. O jogador que atua fora passa a ser um marketing para o basquete brasileiro. Mas é prejudicial na medida que o jogador chegue sem tempo de se preparar para competições pela seleção.


JC – Você acha que a iniciativa do Oscar de criar a Nossa Liga de Basquete, um campeonato paralelo ao da CBB, válida?

Barbosa – Eu acho que tudo é válido quando você toma uma atitude inovadora. Agora eu acho que no momento em que se criou a Nossa Liga deixou uma impressão política. Mas acho que só o tempo vai dizer se essa liga é válida ou não.


JC – Depois desses anos todos no comando da seleção, você está satisfeito profissionalmente?

Barbosa – Muito. Me considero uma pessoa realizada. No mundo são poucos que tem o tempo no comando de uma seleção quanto eu tenho.


JC – Há muito tempo você chegou a um dos pontos mais altos que um treinador pode desejar: técnico de seleção. Imagino que por esse motivo seria muito mais fácil você ter mudado sua residência para o Rio de Janeiro ou São Paulo. Foi uma opção sua permanecer em Bauru?

Barbosa – Foi. Eu sou nascido aqui, minha família toda é daqui e meu circulo de amizades é daqui. É claro que se eu tivesse me mudado para o Rio de Janeiro ou São Paulo minha visibilidade seria muito maior, mas eu acho que o meu conforto pessoal de amizades próximas compensaram a visibilidade que eu teria se eu tivesse morado em uma capital.


JC – Qual são os seus objetivos como político. Pretende um cargo executivo ou legislativo?

Barbosa – Eu entrei em uma eleição já em desvantagem, não tive tempo nenhum de fazer campanha e limitação financeira. Meu forte é o pessoal, a presença e não pude fazer isso. Mesmo assim acho que tive uma votação em Bauru razoável. Foi uma eleição de um candidato só. Eu descarto uma eleição para prefeito. Para entrar em uma eleição como cabeça de chapa sem uma estrutura financeira você tem que vender sua alma ao diabo para poder viabilizar sua candidatura. Então, eu não vou participar de eleição para marcar presença. Como eu sou um vencedor na minha vida profissional, eu não quero entrar na vida política para ser um perdedor.


JC – Como você analisa sua passagem pela Secretaria de Esportes de Bauru, já que na época tornou-se uma secretaria polêmica o que reflete até hoje pela falta de verba destinada à secretaria?

Barbosa – Eu acho que foi muito boa. Um secretário depende muito da disposição do prefeito. Dentro do que era possível eu estava realizando. No segundo ano, quando eu esperava deslanchar o trabalho, tive dificuldades. Nem acho que tenha sido culpa do prefeito, pois em seu primeiro mandato o Tuga apoiou e muito o esporte, mas muito mais de pessoas próximas a ele. Num primeiro momento ele aprovava num segundo momento desaparecia o processo, então eu comecei a perceber que havia pessoas próximas a ele que convenciam que o esporte não é bom investimento. Então, com minha saída acabou precipitando demissão de técnicos e um corte total das verbas.


Fonte:
Jornal da Cidade de Bauru

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