quarta-feira, 25 de julho de 2007

ENTREVISTA
JANETH ARCAIN


Só quero dar folga às minhas mãos

Ala deixa as quadras às lágrimas e diz que esteve no lugar certo, na hora certa


EDGARD ALVES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO


DONA RITA, a costureira, prometera que não iria chorar. E não chorou. Ao soar o sinal marcando o fim da partida, com o Brasil derrotado, ela se manteve lá, na torcida, firme, acenando para a filha, a qual incentivou a jogar o esporte da bola laranja. Na quadra, Janeth dos Santos Arcain, 38, em lágrimas, encerrava sua história na seleção. E também nas quadras de basquete, em que deu seus primeiros passos há 24 anos, em SP.



Em 1983, a menina Janeth assistiu a um Mundial feminino de basquete realizado no Ibirapuera e se apaixonou. "Percebi que o basquete era um esporte de desafios, emoções e metas", afirmou ela, que decidiu trocar o vôlei do Corinthians, onde atuava como ponta ou meio, pelo novo esporte. E começou a se dedicar ao basquete em Catanduva, no interior paulista, levada pela mãe e por uma professora. Mas, após quatro Olimpíadas, cinco Mundiais e 21 anos em quadra com a camisa do Brasil, ela cansou da rotina dos treinos. Principal atleta do país na modalidade após Paula e Hortência, agora, com 38 anos, Janeth quer aproveitar para dormir até mais tarde, ver filmes, comentar jogos para a TV e tocar seu projeto social. E resumiu sua carreira no microfone da Arena Multiuso, após o Brasil perder para os EUA e ficar com a prata no Pan: "Se chorei ou sorri, o importante é que emoções eu vivi".



FOLHA - Qual o significado do basquete na sua vida?
JANETH ARCAIN - É o meu tudo. Quando falo isso, é porque é o que mais gosto de fazer. Jogar basquete vai além de desafios, é um esporte majestoso, cheio de novidades e de superação. No basquete fazemos amigos, criamos responsabilidades, aprendemos a respeitar o próximo. E é o esporte para o qual me dediquei com amor.

FOLHA - A decisão de encerrar a carreira foi complicada?
JANETH - Não diria que foi fácil, mas foi segura, onde vários fatores ajudaram para que isso um dia acontecesse.

FOLHA - Nesse caso, o Pan no Rio de Janeiro veio em boa hora?
JANETH - Se eu falar que tinha planejado encerrar a minha carreira no Pan estaria mentindo, pois tinha a intenção de jogar no Rio de Janeiro, voltar para disputar a segunda fase na WNBA [liga feminina profissional norte-americana] e então encerrar a carreira lá. Como não foi possível, percebi que o Pan seria o momento ideal.

FOLHA - Qual a sua mensagem para as atletas novatas?
JANETH - Que elas sigam acreditando que o Brasil pode melhorar a quarta posição [do último Mundial] no ranking da Fiba [Federação Internacional de Basquete]. E que sejam muito unidas para que isso aconteça rápido, porque têm potencial.

FOLHA - Qual a principal lição nesses 24 anos de carreira?
JANETH - Aprendi muito a equilibrar os lados emocional e racional. E percebi que, com muito trabalho e dedicação, sempre estou na hora certa, no momento certo, no lugar certo e com as pessoas certas.

FOLHA - O que faltou para o ouro olímpico? Não deu ou a chance foi desperdiçada?
JANETH - Realmente esse era um dos meus grandes sonhos, não o maior, mas infelizmente tivemos as oportunidades e não soubemos aproveitá-las, talvez o ouro olímpico fosse sonhar alto demais, e espero que essa nova geração saiba alcançar.

FOLHA - O que significou vestir a camisa da seleção?
JANETH - Uma grande realização profissional e pessoal. Para toda atleta, defender a nação não tem preço. Por isso, abri mão de alguns anos na WNBA.

FOLHA - Quais os momentos que mais marcaram?
JANETH - A prata na Olimpíada de Atlanta, em 1996, foi muito importante. Tem o título mundial na Austrália, em 1994, e o tetra na WNBA [1997, 1998, 1999 e 2000], pelo Houston.

FOLHA - Seleção, WNBA e torneios nacionais. Qual deles deixará mais saudades?
JANETH - A seleção brasileira, pois foi ela quem me projetou para o reconhecimento nacional e internacional.

FOLHA - Hoje, mais madura, você repetiria tudo de novo?
JANETH - Sim, sem pensar duas vezes. E seria com o mesmo amor, carinho e sentimento pelo basquete.

FOLHA - De fora, como você vê as chances do Brasil no Pré-Olímpico [no Chile, em setembro, que vale uma vaga para Pequim-2008]?
JANETH - Tenho certeza de que vamos conseguir uma vaga, seja na primeira fase seja na segunda, pois eu acredito muito nesse grupo e no potencial de nossas jogadoras.

FOLHA - O que é o Centro de Formação Esportiva Janeth Arcain?
JANETH - É um programa social, sem fins lucrativos, que visa tirar crianças e jovens de 7 a 15 anos da ociosidade, proporcionando integração, respeito, disciplina e amor à prática esportiva. Para um jovem entrar lá [em Santo André], é preciso estar matriculado no ensino fundamental ou médio.

FOLHA - Vai vestir camisola ou tem novos desafios?
JANETH - Eu tenho outros desafios. Pretendo continuar no meio esportivo, como diretora, técnica, comentarista ou até mesmo em marketing esportivo, mas, antes de tudo isso, agora só quero dar folga para os meus pés e as minhas mãos.

FOLHA - Casamento? Filhos?
JANETH - Hoje eu diria que não, mas vou ter mais tempo agora para aproveitar.

Frases

"Naquele Pan de Cuba, em 1991, eu era muito nova. No Mundial de 94, tive de decidir bola com Paula e Hortência. Na WNBA, abri as portas para outras meninas."

"Nunca pude dormir muito tarde, mas agora vou querer assistir a filme da sessão coruja. Estou de férias. Quero ficar de pernas para o ar, sem fazer nada. Comer pipoca o dia todo, coisas que a rotina não deixava. Agora só sei que não vou malhar mais nem vou correr"

EUA retornam ao topo do pódio depois de 20 anos

Formada por novatas universitárias, equipe americana consolida triunfo no último período, quando fez 30 a 13

Armadora rival, que tinha média de 7 pontos por jogo, anota 27, e brasileira brinca dizendo que seria preciso um machado para pará-la


DO ENVIADO AO RIO
DA SUCURSAL DO RIO

Os dez minutos finais custaram a medalha de ouro do Pan à seleção feminina de basquete.
Os EUA venceram a decisão, ontem à tarde, por 79 a 66 e recuperaram o topo do pódio nos Jogos, que não atingiam desde Indianápolis-1987.
O revés expõe a má fase do basquete brasileiro. Mesmo com ausências de duas titulares no Pan -a ala Iziane e a pivô Érika, na liga dos EUA-, o Brasil acabou superado por um time de novatas universitárias, sem experiência internacional.
Em setembro, a seleção disputará o Pré-Olímpico das Américas, no Chile, com apenas uma vaga em jogo e os EUA com sua equipe principal.
No masculino, ausente da Olimpíada desde Atlanta-96, o desafio é a passagem para Pequim-08. No Pan, o time é o atual bicampeão diante de rivais sem a força máxima.
Ontem, o Brasil equilibrou até o início do último quarto, em que tinha vantagem de 53 a 49. Mas os EUA marcaram 30 a 13 na parcial, selando o ouro.
O destaque foi a armadora Mattee Ajavon, 21, com 27 pontos. A jogadora, que atua pela Rutgers University, de Nova Jersey, converteu 61% dos arremessos (11 dos 18 tentados). Pelo Brasil, a cestinha foi Micaela, com 21 pontos.
"A equipe americana fez uma partida perfeita. No último período, marcou 30 pontos, inclusive fez duas cestas de três pontos com o cronômetro zerado", disse o técnico Antonio Carlos Barbosa, que se despediu da seleção após 21 anos não consecutivos no comando.
Ele optou por Micaela no lugar de Karen para o início da decisão, mantendo as demais titulares (Adrianinha, Janeth, Êga e Kelly). O primeiro quarto foi equilibrado e terminou com vantagem do Brasil por um ponto (19 a 18). Na seqüência, o Brasil abriu cinco pontos (30 a 25) e Barbosa optou pelo revezamento de jogadoras. Janeth, a mais experiente, tinha 9 pontos e uma falta. Foi substituída por Karen. Mamá rendeu Êga.
Algumas bolas desperdiçadas pelas brasileiras permitiram o equilíbrio: Brasil 34 a 33, quando os times foram para o intervalo. No início do segundo tempo, o panorama seguiu até que duas cestas de três pontos fizeram a diferença. O Brasil terminou o quarto com 53 a 49.
Bolas fáceis desperdiçadas fizeram a diferença no último quarto, após empate em 55 pontos. As norte-americanas, com média de 20,5 anos, aproveitaram os erros brasileiros e abriram vantagem.
"A número 6 [Ajavon] tinha média de 7 pontos por jogo. Fez 27 na final. Acertou bola de todo jeito. Para pará-la, só com um machado na mão para quebrar as mãos e as pernas", disse a ala Micaela, rindo.
O Brasil só acertou 41% dos arremessos. Janeth converteu apenas 29% das bolas. Até nos lances livres, esteve irregular, com 60% de eficiência.

[+]FRUTO:

RIVAL DIZ QUE EQUIPE VEM DE PROJETO


A técnica dos EUA jogou ao lado e contra a brasileira. Foi colega de Houston Comets e rival nas semifinais do Mundial-94, em que o Brasil bateu as favoritas americanas, conquistando o título na seqüência. Elogiou ala e disse que suas comandadas saíram de um projeto da federação do país. "Elas estão acostumadas com situações de pressão. Não fiquei surpresa [com o ouro]", afirmou a treinadora.


PAULA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Esporte, estudo e medalha


Já que nós gostamos tanto de imitar os EUA, por que não copiamos o modelo de esporte universitário deles?

O BASQUETE feminino neste Pan era uma incógnita para todos nós. Quem poderia levar o ouro? Brasil e EUA desfalcados, Cuba com sua equipe tradicional. A única certeza que eu tinha era que estaríamos no pódio.
Cuba mostrou que continua vivendo muitas alternâncias no equilíbrio emocional, e os EUA, apesar de estarem com o time universitário, mostraram que têm o basquete forte como sempre, porque fazem trabalho de base sério, e o pilar está nas universidades.
E, na equipe brasileira, será que temos jogadoras fazendo a faculdade? Esta é uma curiosidade que tenho. Que se estende para toda a delegação brasileira. Se fizéssemos uma pesquisa na Vila do Pan, teríamos uma surpresa agradável? Qual o nível escolar de nossos atletas? Esta é uma questão que não tem sido discutida pelos dirigentes.
A culpa não pode ser só dos atletas. Técnicos e dirigentes têm de estar no bolo. A mentalidade tem que ser outra. Por que não discutir a carga de treino aliada ao currículo escolar?
Depois que os atletas se tornaram profissionais, muita coisa mudou nos esportes ditos amadores. Os treinos passaram a ser diários e em dois períodos. A exigência física é extenuante, mas a intelectual ficou esquecida.
Este Pan está mostrando nossos novos ídolos de todas as modalidades. Quantos atletas não foram vistos pelos jovens e que irão seguir seu exemplo? Isso é o que preocupa. Ser exemplo de atleta simplesmente não basta. A qualificação de nossos esportistas irá fazer com que o Brasil seja mais forte ainda. Teremos seres pensantes. Sendo assim, poderíamos fazer muito mais do que temos feito.
Fica aí uma reflexão para um país que gosta tanto de copiar os americanos. Que tal se a gente pensar em ser como eles no esporte universitário também? Os EUA mereceram o ouro.



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PAULA, 45, é ex-jogadora de basquete e campeã mundial em 1994

Fonte: Folha de São Paulo

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