segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Entrevista da semana: Suzete Gobbi: a senhora da bola

Capitã da Seleção Brasileira de Basquete por 10 anos, ela construiu sua vida através do esporte e continua no jogo


Adriana Fricelli


Três cestas de basquete rodeiam a casa de Suzete Gobbi, a Suzi. Uma está fixada logo na entrada da garagem e as restantes estão na quadra poliesportiva que fica em frente ao domicílio, num condomínio residencial em Bauru. “Assim que me mudei para cá, em 96, visualizei uma quadra naquele espaço vazio e dei a idéia para construírem”, diz a capitã do grupo feminino da Associação de Basquetebol dos Veteranos do Rio de Janeiro e responsável, em Bauru, por uma escolinha de basquete para crianças.

Aos 50 anos, hoje os treinos não são tão intensos quanto na juventude, quando abandonou a família em Penápolis para “vivenciar intensamente o basquete”. Durante os mais de dez anos como capitã da Seleção Brasileira de Basquete, chegou a receber as então novatas Hortência e Paula. Foi com ela que o basquete feminino começou a “colher frutos”, como a participação em quatro campeonatos mundiais, dois pré-olímpicos e três pan-americanos, em que, em 1983, obteve o terceiro lugar em Caracas, na Venezuela.

Passados sete anos desse prêmio, Suzete deixou o basquete profissional, antes da primeira participação do País em uma Olimpíada, em 1992. Mas foi coincidentemente nesse mesmo ano, que a cidadã bauruense por título e coração fez sua maior cesta: o filho, Mateus.

De sorriso no rosto, ela recebeu confortavelmente a reportagem do Jornal da Cidade, vestindo shorts, camiseta e tênis. Nas mãos, trazia duas medalhas recém-conquistadas no Campeonato Master de Caxias do Sul (RS) pelas categorias 48+ e 40. A seguir, confira trechos da entrevista:

Jornal da Cidade - Como foi o campeonato em Caxias do Sul?

Suzete Gobbi - Esse campeonato é um Encontro Nacional de Veteranos do Basquete, do qual que eu participo há nove anos. Depois que deixei o basquete profissional fiquei uns nove anos sem jogar, foi quando nasceu o Mateus (hoje com 15 anos). Aí umas amigas me contataram, dizendo que existia esse campeonato eu fui.


JC - E hoje você compete por Bauru?

Suzete - Até hoje a gente participa de campeonato pan-americano e mundial de master, mas eu jogo pelo Rio de Janeiro. A associação de lá é a mais organizada. Em agosto, teve o mundial em Porto Rico, mas não fui porque tive uma crise de hérnia de disco. Tanto que esse campeonato de Caxias do Sul marcou um momento de recuperação para mim.


JC -E essa hérnia foi conseqüência do basquete?

Suzete -Foi. Postura, muito impacto. E veio numa época em que eu estava atravessando um momento difícil no campo emocional. Em janeiro perdi meu pai, daí, em abril, veio tudo. A hérnia era na lombar. Não fiz cirurgia. Cheguei a ficar um mês de cama, foi puxado. Mas saí da crise e comecei a fazer um trabalho de reeducação postural, fortalecimento do abdômen e me recuperei.


JC - Por que ficou tanto tempo sem jogar depois que saiu do profissional?

Suzete - Eu entrei de cabeça no basquete com 6 anos. Vim de Penápolis para jogar em Bauru com 13 anos de idade. Quando parei de jogar, eu queria fazer coisas que não podia fazer porque treinava oito horas por dia! Fiquei dez anos sem ir ao cinema, por exemplo! Eu não comia salgadinhos, tanto que, quando parei, engordei cinco quilos em um ano!


JC - Você não tinha nem férias?

Suzete - A gente até tinha. Eu ia para praia, mas lá tinha que me cuidar, porque havia os campeonatos paralelos e tinha que voltar logo. Então foi muito intenso. Tinha época que a gente não tinha Natal, Revéillon, porque iam começar os campeonatos. Quando minha mãe morreu, há 21 anos, eu jogava em Sorocaba. Lembro que era véspera de jogo, fui até Penápolis para o enterro e voltei no dia seguinte para jogar.


JC - Por que o basquete apareceu tão cedo na sua vida?

Suzete - Minha irmã jogava voleibol, ela ia ao ginásio treinar e eu ia junto. Mas, além do treino do vôlei, eu ficava jogando bola na cesta. Acho que a cesta me chamou atenção. Aí foi quando comecei. Jogava voleibol e basquete. Inclusive quando o (Antônio Carlos) Barbosa (ex-técnico da Seleção Brasileira de Basquete) e o Sirval Camargo foram me buscar, era para jogar os dois em Bauru.


JC - E como sua família reagiu?

Suzete - Meu pai não era muito a favor, porque quando ele chegava de viagem eu estava na rua. Apanhei muito por causa disso (risos). E minhas irmãs mais velhas queriam fazer faculdade fora e meu pai não deixava. Por isso, foi um choque quando o pessoal de Bauru foi em casa e meu pai perguntou: é isso o que você quer?


JC - Ele acreditou no seu potencial?

Suzete - Foi a primeira vez. Por isso que minhas irmãs - eu sou a quarta de cinco mulheres - ficaram com ciúmes. Tanto que isso pesou em minha vida (Suzete chora). Porque eu venci no basquete, tudo que eu faço em torno de basquete dá certo, mas a minha família ficou em segundo plano.


JC - Como superou a ausência da família?

Suzete - Eu sempre tive muitos amigos. Me considero uma privilegiada, porque, através do basquete, eu conheci muitas pessoas que supriram esse lado da perda da família. O Barbosa foi meu técnico, professor, irmão, meu pai. Aprendi a superar, porque o esporte dá isso para nós. Eu sempre carreguei um ditado que meu pai me passou: “o cavalo não passa selado duas vezes. Você tem que aproveitar as oportunidades”.


JC - E o encontro com o Gobbi (César Gobbi, seu marido), como foi?

Suzete - Logo que cheguei a Bauru encontrei o Gobbi. A gente foi amigo por muitos anos até descobrir que se gostava. Em 1974, começamos a namorar e casamos em 88. O filho veio em 92. Eu tinha ido para os Estados Unidos, porque meu sonho era vivenciar o basquete americano numa escola. Fiquei dois meses lá. Tinha duas propostas para ficar por um ano, mas eu já estava grávida e não sabia.


JC - O Gobbi nunca teve ciúmes do basquete?

Suzete - Não, pelo contrário. Ele sempre me incentivou e me incentiva até hoje. Agora, a gente incentiva o nosso filho a fazer esporte. Porque o importante é vivenciar o esporte. Se vai dar jogador ou não, ele é quem terá de escolher.


JC - O basquete também foi meio cruel com você, não?

Suzete - É. Mas se eu tivesse que viver tudo que vivi até agora, viveria. Acontecem as perdas, mas tem os ganhos também. Hoje eu tenho condições de passar minha experiência para as crianças. É um privilégio poder contribuir para a formação de um futuro cidadão. Hoje eu trabalho com educação física infantil, são crianças de 5 a 9 anos, e sou responsável pela escolinha de basquete da Criarte, são 100 crianças em média.


JC - Como usa o basquete para a formação?

Suzete - Meu trabalho é educacional, social e esportivo. E o basquete dá espírito de grupo, de superação. Eu não estimulo a competição.


JC - Como você lidava com a competição?

Suzete - Por ter perdido a família, sempre fui uma jogadora que chegava procurando um ombro amigo. Queria que todo mundo vivesse em harmonia na equipe.


JC - Como foi a entrada na Seleção brasileira?

Suzete - Minha vida esportiva foi acontecendo muito rápida. Cheguei em Bauru em outubro de 71, joguei só um campeonato juvenil pelo Luso e fui a revelação desse campeonato. Em seguida, fui convocada para o brasileiro juvenil em São Caetano do Sul e fui a revelação do campeonato. Daí as portas chegaram à Seleção.


JC - Na Seleção você jogou por quanto tempo?

Suzete - Joguei de 73 a 86. Peguei várias transições com o pessoal mais jovem chegando, mais alto, a estatura do basquete feminino aumentando. Eu tenho 1,69 metro. Hoje é pouco para o basquete.


JC - Quantos países você conheceu?

Suzete - Foram 25 países e vários deles retornando. O que eu achei mais bonito foi a Holanda. O mais triste foi a Romênia. Lá vimos cenas lamentáveis, passamos dificuldade com alimentação. A gente tinha dinheiro para comer, mas não tinha comida.


JC - E a pressão?

Suzete - Sempre me dei bem com isso. O legal da criança é que ela é inocente. Comecei a sentir a responsabilidade quando fiquei mais velha, como capitã da equipe (de 75 a 86), em que tinha que pegar os problemas dos outros e ajudar.


JC - Como você lida com as derrotas?

Suzete - Tirando lição. Tem que aprender a perder para poder ganhar.


JC - O seu destaque foi resultado de um esforço extra ou de um talento especial?

Suzete - Eu tinha um talento, mas sempre gostava de treinar. Treinava mais que todo mundo. Se pediam 15 abdominais, eu fazia 20. Era doação. Para vencer na vida, a gente tem que se doar.


JC - Por quantos times você passou?

Suzete - Joguei em Bauru. Joguei em Santo André, na Pirelli, por dois anos. Saí de lá para formar a Minercal junto com a Hortência em Sorocaba. Depois formei o Cica-Divino em Jundiaí, que depois virou Perdigão-Divino e em 90 deixei o basquete, quando fazia quatro anos que tinha deixado a Seleção Brasileira.


JC - Qual a sua melhor qualidade como jogadora?

Suzete - Sempre gostei muito de marcar, tive velocidade e jump certeiro.


JC - Quando o basquete foi mais forte em Bauru?

Suzete - Durante dez anos Bauru ganhou tudo, só, infelizmente, não foi campeão paulista. Mas entrou em crise por causa da entrada das empresas como patrocinadoras e Bauru não conseguia nenhum patrocinador forte. Hoje está triste. Nem tem mais time feminino e o masculino está na luta para arrebanhar empresas.


JC - Quando foi o ápice de sua carreira?

Suzete - Em 75, quando houve essa renovação total no basquete brasileiro. Entrei como capitã, foram chegando as meninas mais novas. Dali a pouco surgiram a Hortência, a Paula, a Marta, a mídia foi aparecendo e divulgando mais.


JC - Foi doloroso abandonar o basquete?

Suzete - Foi planejado. Me preparei para deixar a Seleção brasileira e depois o basquete de vez com 33 para 34 anos. Foi consciente, porque via amigas que deixavam de ser convocadas e eu não queria aquilo para mim. A gente sabe que a última imagem é a que fica, né?


JC - O basquete sempre foi visto como um esporte másculo. Você concorda?

Suzete - O pessoal fala isso. Eu, por exemplo, gosto de andar de shorts, chinelo. Às vezes ponho uma mini-saia, mas eu gosto de ficar à vontade. É questão de gosto, mas sou vaidosa. Acho que é da natureza da mulher ser vaidosa.


JC - E a maternidade, como foi?

Suzete - Foi muito forte. Tanto que a coisa mais importante da minha vida é o Mateus. Foi a maior cesta que eu já fiz (risos)!


JC - Me fale sobre o livro que lançou, “O ABC do Basquetebol com Suzete”.

Suzete - Pensei numa apostila sofisticada para escrever para o professor de educação física, para aquele que nunca vivenciou, mas que quer ensinar para suas crianças. Procurei amigos para me ajudar e lancei o trabalho em 2001, que é o que hoje desenvolvo na Criarte: a iniciação ao basquete através do lúdico.


JC - Você se cuida?

Suzete - Me cuido. Minha alimentação é a mais saudável possível. Porque a gente que trabalha com criança e é mãe precisa ser o exemplo. Também faço a parte de academia. De tudo na vida eu tiro proveito. Tenho que tirar as coisas boas das dificuldades.


JC - Gostaria de acrescentar algo para a entrevista?

Suzete - Olha, só quem vivenciou essa oportunidade sabe da emoção que é você poder representar seu País em outros país ouvindo o hino nacional!



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Perfil


Nome: Suzete Gobbi

Filme: Gosto de todo tipo, depende do momento

Música: “Quem me levará sou eu”, de Fagner, porque marcou uma época da minha vida, quando saí de Bauru para jogar em Santo André.

Futebol: Não sou ligada em futebol, torço para o Palmeiras por causa do Gobbi e do Mateus

Basquete: Torço por um bom basquetebol

Hobby: Basquete e viagens

Nota 10: Deus

Nota 0: Nossos políticos

e-mail: suzete@escolacriarte.com

Fonte: Jornal da Cidade de Bauru

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